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Por Márcia Brasil
A arte e a educação são conceitos que se fundem, e o ensinar se confunde com o ato de criar. A artista plástica Maria Bonomi domina esta relação arte-educação quando elucida o conceito de seu trabalho com a xilogravura e exemplifica variantes e formatos de sua experiência ilimitada. Bonomi fundou a Bienal de São Paulo, é gravadora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa, pesquisadora, professora e militante do movimento das artes. É uma artista incansável, libertária, multimídia e engajada.
Maria Bonomi e a Bienal de Artes de São Paulo
Italiana, de Meina, 1935, fixou-se em São Paulo quando chegou ao Brasil em 1946. Neta de Giuseppe Martinelli, construtor do primeiro arranha-céu da América Latina, o Edifício Martinelli, 1929. Maria Bonomi definiu o Brasil como o lugar de "todas as invenções". Nunca deixou de viver no Brasil. "A ditadura era o momento de ficar, não de sair", comentou. Sua trajetória artística reúne desde criança a formação com o “Nonno”, entalhador que frequentou escola de artes e ofícios em Lucca, na Itália.
Fundadora com Ciccillo Matarazzo e participante de várias exposições da Bienal São Paulo, desde 1951, Maria Bonomi que inovou no campo das artes, ganhou muitos prêmios internacionalmente. Militante da classe artística desde quando vivia em seu país, e depois aqui no Brasil, sempre defendeu o artista e as artes, lutando pela igualdade no meio artístico. Neste ano de 2013, não participou da celebração comemorativa 30 X Bienal.
A direção da Fundação Bienal escalou para curadoria, da exposição, Paulo Venâncio Filho como o único responsável pela mostra. Segundo artistas e familiares, o curador não respeitou a história da arte, deixou de lado nomes importantes que fundaram a Bienal - completou seis décadas de existência. Artistas consagrados na história das artes, de gerações e estéticas da época, foram excluídos. Nomes importantes como Caciporé, Manabu Mabe, Victor Brecheret, Ianelli, Antonio Peticov, Antonio Henrique Amaral, Maria Bonomi, entre outros.
A mobilização dos artistas foi unânime. Atraiu setores do teatro, televisão, intelectuais, políticos, entre várias celebridades, que apresentaram suas manifestações em cartas e apoio divulgados na imprensa, somaram à angústia dos artistas excluídos desta Bienal. “Nossa solidariedade ao Estadão, que fez justiça ao noticiar, na mesma edição em que foi capa a mostra 30 x Bienal, o boicote vergonhoso à artista plástica Maria Bonomi, internacionalmente reconhecida e uma das fundadoras da Bienal de São Paulo. Lamentável", defendeu Aracy Balabanian e Denise Saraceni em nota divulgada no jornal.
Maria Bonomi que participou de 12 Bienais lembrou-se da época da ditadura que enfrentou, sem ser aceita oficialmente pelo mercado da arte de seu país. Enquanto muitos artistas fizeram carreira, sustentados pela ditadura, ela preferiu trabalhar na antiga Iugoslávia, na Eslovênia e em Praga. Quando retorna ao Brasil, Bonomi recebe seu primeiro prêmio aquisição da 5ª Bienal de São Paulo, em 1959.
Nesta época, Bonomi trabalha na oficina de gravura em metal de Johnny Friedlaender, instalada no MAM-RJ. Depois recebeu prêmios como destaque, em 1965, com o melhor gravador da 8ª Bienal. Em 1973, produz e expõe na 12ª Bienal o filme detritos com o apoio técnico de Thomaz Farkas. Torna-se membro dos conselhos de arte e cultura da Bienal de São Paulo, em 1976 e 1977. É eleita Presidente da Comissão Técnica de Arte da 12ª Bienal, e demitida, no ano seguinte, após denunciar irregularidades na administração.
Maria Bonomi é um exemplo para as artes e na política. Durante a ditadura militar, a Bienal de São Paulo enfrentou o desconforto do poder político na época. A Fundação Bienal manteve suas relações com o Estado, sustentando regularmente os eventos a cada dois anos, e os artistas passam a procurar formas para contestar a situação. Em 1969 em protesto contra a ditadura militar, Bonomi recusa sala individual na Bienal de São Paulo.
Conforme as formalidades já estabelecidas nas edições anteriores, autoridades políticas estavam presentes na Bienal de 1965. Castelo Branco, devidamente fardado, é surpreendido com uma carta, entregue por Maria Bonomi e Sergio Camargo, pedindo a revogação da prisão de intelectuais, entre eles Mário Schenberg. Iberê Camargo contesta a Fundação Bienal, “que, na verdade, vive das subvenções dos poderes públicos federal, estadual e municipal”.
A arte sofreu com a elite no poder. De um lado, marchands, galeristas e artistas de catálogo, que conseguem qualquer vitrine, e do outro, os que passam a vida toda sem nunca ter um espaço para expor seus trabalhos. A desigualdade nas artes é uma injustiça social despercebida pela sociedade. O conturbado histórico político que as artes enfrentaram no Brasil, poderia ser a resposta para justificar a centralização de um único curador que defende os interesses de galeristas e exclui a passagem da história de artistas renomados?
Os privilégios do favorecimento a dois exclusivos galeristas, que detém 70% das obras expostas no pavilhão Ciccillo, causa questionamento sobre tal mérito. Favorecimento, amizade, troca de favores. O que destinou a contrariedade à concepção da história da arte? Segundo Bonomi, “existe um coronelismo na cultura”.
Técnica da gravura e a preocupação que sobrepõe o olhar do aprendiz em arte
Imagem: Oriundi |
“O conceito da gravura sai no início de uma ideia, mas ele vai se formando através dos estágios tanto de gravação como de impressão que são sucessivos, eu paro para imprimir para ver em que pé está a gravura”, esclarece Bonomi. “A gravura tem um conceito democrático ela existe a partir da impressão de uma obra de arte que se multiplica”, explica Bonomi que o gravador lida sempre com questões relacionadas à matriz, à imagem impressa. Em relação ao sulco, sempre causa surpresa o resultado da impressão.
Quando ela trabalha com madeira e metal, o registro é diferente da impressão no papel. Complementa que a parte original desta arte “é a matriz, é onde fica o momento do corte, a mão grava o suco”. A variante das experiências da professora de artes e artista Bonomi, da incisão do gravador, como um jogo estético na gravura, é capaz de atingir diferentes olhares e formas, “a arte tem que alcançar o maior número de pessoas”, defende a tese de que a arte se destina a todos, a arte é pública.
O impacto que uma pessoa possa ter sobre sua obra inovadora, parte do princípio que as obras precisam de mais visibilidade. Bonomi, deste modo, investe em litografia com grandes formatos, trabalhos com mais de dois metros de largura. A motivação inicial neste formato é pela estética alcançada, além do tamanho, em variantes e inesperadas de cores das tonalidades.
Já dizia Paulo Freire: a educação é, por natureza, um exercício estético. Mesmo que não estejamos conscientes disso, toda ação docente é um processo artístico e o professor, um artista.
Nesta teoria Freireana, o conceito da estética do modo criativo e das várias resoluções da finalização das formas, da técnica da impressão da gravura, constituem um intercambio. A sobreposição da técnica se confunde com a preocupação da professora e artista, interação e explicação da gravura com o modo de ensinar, o acesso que as pessoas possam ter ao maior número de tiragem e compreender a metodologia por ela desenvolvida e remodelada.
Nas matrizes estão as marcas da relação do artista com a matéria, do impulso e dos gestos que criam a obra. Na era paleolítica, os primatas registravam suas caças e lutas nas paredes das cavernas. Hoje, a xilogravura ganha caminhos, técnicas, os formatos são diferentes, pode ser constituída tanto na madeira quanto no barro, e a impressão, além do papel, o alumínio, o poliéster, o concreto. Bonomi marca seu repertório artístico com o traço de sua genialidade quando diz, “sempre gostei de cortes retos, sem bruma”.
Maria Bonomi é história na arte.
Painel Epopéia Paulista, de 2004, na Estação da Luz. Obra pública, narrativa de memórias às diversas etnias em São Paulo. |
Maria Bonomi detém em seu trabalho o empenho pela qualidade e autenticidade. Por esta razão é reconhecida pelas coleções de suas obras espalhadas e presentes nos mais renomados museus brasileiros e estrangeiros. Nas palavras de Lívio Abramo: “vitalidade, veemência, paixão, ousadia formal são as características da obra gráfica desta artista que soube transmitir às suas gravuras a paixão de seus sentimentos e a densa expressividade da síntese formal”.
Nos anos 1950, estudou pintura e desenho com Yolanda Mohalyi e Karl Plattner (1919 - 1989). Em 1954, inicia-se na gravura, com Lívio Abramo. Realizou sua primeira exposição individual em 1956, na cidade de São Paulo. Nesse ano, recebe bolsa de estudos da Ingram-Merrill Foundation e estuda no Pratt Institute Graphics Center, em Nova York, com o pintor Seong Moy (1921).
De volta ao Brasil, frequenta a oficina de gravura em metal com Johnny Friedlaender (1912-1992), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – (MAM-RJ), em 1959. No ano seguinte, em São Paulo, funda o estúdio gravura, com Lívio Abramo, de quem é assistente até 1964. Desenvolve projetos editoriais, entre os quais o álbum Brasil, coligido por Sérgio Buarque de Hollanda, com gravuras de Livio Abramo, João Luís Chaves e Maria Bonomi.
Nos anos 1960 no teatro, concebe cenários e figurinos de fim de jogo, hoje comemos rosas e as feiticeiras de Salem; pela qual recebe prêmio da Apca. Entre, 1961 e 1973, participa ininterrupta das International Biennial of Graphic Art em Ljubljana. Ganha o prêmio Theodoron Foundation da V Bienal de Paris. Nesse período, sua gravura é destaque pela monumentalidade, em 1967.
Ao expor na 5ª bienal de Paris, no mesmo ano, luta para que as gravuras sejam expostas em paredes, e não em balcões ou vitrines, como páginas de livros, o que era usual na época. Assim, modifica-se a relação do público com a gravura, e também do artista no exercício de gravar.
A partir dos anos 1970, passa a dedicar-se também à escultura. Produz painéis de grandes proporções para espaços públicos, com painéis em diversas cidades brasileiras e no exterior, e mais de 50 obras já instaladas. Nesse período, Clarice Lispector escreve artigo para jornal sobre a riqueza da matriz xilográfica de Maria Bonomi.
Em São Paulo, 1974, concebe o altar da igreja Mãe do Salvador, seu primeiro projeto de arte pública. Depois, no Palácio dos Bandeirantes e na estação de metrô Jardim São Paulo. Seguem-se a esse projeto, os painéis do edifício Jorge Rizkallah Jorge (1976) e Esporte Clube Sírio (1977). Em 1978, da 1ª Bienal Latino Americana de São Paulo.
Em 1999, defende a tese de doutorado intitulada Arte Pública. Sistema expressivo/anterioridade, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – (ECA-USP).
Participa da exposição uma viagem de 450 anos, em 2004, com curadoria de Radha abramo, em comemoração ao aniversário da cidade de São Paulo. Em Maracaibo, participa da 5a Bienal de Barro de América com a instalação pele humana, pele urbana. Em fins de 2004, inaugura painel em concreto para a Estação da Luz, Epopéia Paulista, que narra a história das imigrações à cidade de São Paulo. A partir do painel, Maria Bonomi realiza Infecção da Memória, obra levada para as cidades de Buenos Aires, Praga, Amsterdã, Berlim, Milão e Viena.
A artista foi uma das personagens reais retratadas pelos autores Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral na minissérie Um Só Coração, exibida em 2004 pela Rede Globo, interpretada pela atriz Maria Luísa Mendonça.
O Brasil indígena representado no trabalho de Maria Bonomi
Painel Etnias, de Maria Bonomi, obra permanente no acesso subterrâneo ao Memorial da América Latina, São Paulo, Brasil. Imagem: Divulgação |
Maria Bonomi inaugurou na Fundação Memorial da América Latina, a obra “Etnias – do primeiro e sempre Brasil”, de sua autoria (foto á esquerda). A artista disse que nenhum lugar poderia ser mais adequado para se contar a história do Brasil do que o Memorial, que está cumprindo efetivamente a sua missão integradora tanto no campo cultural como nas áreas social, didática e política.
Autoridades e artistas participaram da cerimônia de abertura, entre eles, o bibliófilo José Mindlin, o Senador Eduardo Suplicy, Jorge Duran, cônsul da Venezuela, Maurício Aeiro, Cônsul da Colômbia e representante do Ministério da Cultura. O índio Guarani Lísio Lima representou sua aldeia, a Tonondé Porã. Uma delegação de 60 índios, das etnias Guarani e Maraguá, apresentou um número com cantos tradicionais de seu povo, cuja história está ali retratada. Eles vieram de Parelheiros, bairro da Zona Sul de São Paulo onde se localizam algumas aldeias às margens da represa do Guarapiranga.
A surpresa é ampla para quem acessa o portão 1 no Memorial da América Latina, ao visitar a instalação localizada na passagem de nível de 51 metros, com 2,20 m de altura, que liga o metro ao conjunto arquitetônico. Nesse corredor espelhos em toda a extensão das duas paredes e a iluminação cenográfica emolduram painéis e toténs que recontam de forma estilizada a história do índio brasileiro. Nas escadas, estão gravados nomes de índios de diversas etnias.
Público interage com a obra "Etnias" no subsolo do Memorial da América Latina. Imagem: Fábio Pagan |
Foram instaladas quatro árvores de cerâmica e quatro placas de bronze, gravadas e esculpidas manualmente em suportes tridimensionais evocativos (caravelas, fortes, florestas, animais) de grande escala. Fatos, personagens, consequências, signos e símbolos deste enredo traçam toda história do Brasil, cronologicamente, desde antes da chegada dos europeus.
O projeto de arte pública que homenageia os verdadeiros donos da terra do Ibirapitanga (Pau Brasil): os índios. Etnias é um percurso/painel interativo permanente que contou com a participação da coletividade no seu processo de execução, Índios Guaranis das aldeias Krukutu e Tonondé Porã participaram da gravação das placas de argila junto da equipe do atelier Maria Bonomi. (colocar o link de seu site).
Na linha do tempo, Bonomi dividiu o percurso de “Etnias” em três fases, compostos por alto e baixo relevos, e fundamentados nos materiais usados. A primeira fase arqueológica, os painéis em argila evocam as origens, a mata, cavernas, pinturas rupestres, padrões indígenas, instrumentos rituais, armas, animais e as primeiras habitações. Já os painéis em bronze, da fase primado da técnica, remetem à chegada dos colonizadores. Lá estão as caravelas, os personagens, as armas de fogo, os sinos, as fortalezas, as missões. Por fim, os painéis de alumínio, em fpo feota, que representam os tempos atuais, investigam a presença indígena na contemporaneidade, como na construção de Brasília, por exemplo.
Quem visita o espaço, ou acessa para passagem, contempla a experiência de integração à obra do olhar as placas maciças e por meio dos jogos de espelhos. O público passeia através de uma série de “fotogramas” grandes, que penetram o ser e o transporta para uma viagem no tempo, é uma sensação maravilhosa visualizar as dimensões dos altos e baixos relevos. A entrada para este espetáculo do corredor de entrada do Memorial é um show de interatividade, pelo qual o indivíduo possa sentir a história fisicamente.
Maria Bonomi recebeu maior incentivo e apoio de Oscar Niemeyer, arquiteto do Memorial da América Latina, que justificou o painel como necessário para completar a ideia seminal de seu projeto, desde a formulação de Darcy Ribeiro.
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