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Victor Brecheret e a São Paulo dos Bandeirantes

Victor Brecheret em seu atelier

Por Márcia Brasil

Passear pela cidade de São Paulo não tem o mesmo sentido sem conhecer e visitar a obra mais tradicional do escultor italiano Victor Brecheret (1894 -  1955). O Monumento às Bandeiras no Ibirapuera, apelidado de Empurra, é o símbolo da metrópole paulistana, registrado em cartões postais e cenário para milhares de fotógrafos que visitam a obra do Ibirapuera. Muitos levam como lembrança imagens pelo mundo afora, desta e de outras obras em espaços públicos do célebre escultor.

Considerado o pioneiro do modernismo na escultura brasileira, Brecheret iniciou sua formação artística em 1912 no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, onde estudou desenho, modelagem e entalhe em madeira. Após, seguiu os estudos em Roma, no berço do Renascimento, acrescentando em seu currículo o aprendizado com o escultor Arturo Dazzi (1881 - 1966), e também a influência de Rodin e Mestrovic.

Volta a São Paulo, em 1919, quando inicia o modernismo em seus projetos, na sala cedida por Ramos de Azevedo no Palácio das Indústrias. Suas esculturas apresentam um tratamento naturalista da anatomia e contida dramaticidade, que se expressa por meio de torções do corpo e de volumes trabalhados em luz e sombras acentuadas. O escritor e crítico Mário de Andrade denomina esse período da obra de Brecheret (em oposição à época posterior, em Paris) de fase de sombras, na qual estas sempre se valorizam mais do que a luz.

A fase modernista surge no início dos anos 1920, quando conheceu os escritores Oswald de Andrade e Mario de Andrade, o pintor Di Cavalcanti, Menotti del Pichia, grupo de intelectuais do movimento modernista que admiram seus trabalhos.

Bienal de São Paulo anula a história da arte

Precursor e símbolo do modernismo, Brecheret alcançaria outro marco cultural importante: a Bienal de São Paulo. Convidado para a primeira edição do evento, em 1951, ganha o Prêmio Nacional de Escultura com o bronze O Índio e a Suaçuapara, notável síntese de suas pesquisas indígenas com as lições do escultor britânico Henry Moore. O prêmio o consagrou como melhor escultor do Brasil.

Brecheret morreu em 1955, aos 62 anos. Dois anos depois, a Bienal prestou-lhe uma homenagem, dedicando ao artista uma sala especial com 61 esculturas e vinte desenhos.

'Indio e a Suaçuapara', escultura em bronze que consagrou Brecheret com prêmio na 1a Bienal de São Paulo
Com tantas participações na Bienal de São Paulo, premiado na 1ª inauguração de 1951, como poderia Victor Brecheret, um artista consagrado ser excluído da Bienal de São Paulo de 2013? Qual a escolha para o curador Paulo Venâncio Filho para tal absurdo? Leia sobre a injustiça que Brecheret como tantos outros artistas que foram excluídos da comemoração da 30 X Bienal. Veja aqui.

Semana da Arte Moderna

Em Paris, 1922, Brecheret conheceu os escultores Henry Moore, Emile Antoine Bourdelle, Aristide Maillol e se aproximou do tratamento sintético da forma do escultor romeno Constantin Brancusi, que influenciou Brecheret nas expressões de suas obras com superfícies uniformes e concisão de volumes, caracterizadas pela geometrização das formas, marca principal de sua produção. Nesta época, a Europa ocupava uma posição de vanguarda e, sob essa influência, teve início à discussão de uma nova identidade artística para o país.

No Brasil a Semana de Arte Moderna de 1922 inaugura o modernismo com Anita Malfade, Lasar Segall entre outros. Era a ascensão para todas as áreas da expressão das artes, literatura, música, teatro. O objetivo era traçar a arte com a identidade nacional, na compreensão da cultura brasileira e da discussão sobre os rumos que as artes teriam naquele momento. A sociedade tinha grande participação com trabalhadores, empresários, políticos e intelectuais. 

Embora ausente do Brasil, Brecheret tem 12 esculturas em exposição na Semana de Arte Moderna. É responsável pela introdução do modernismo na escultura brasileira. Neste tempo o escultor alternava entre França e Brasil até 1936.

Arte Sacra

A representação sagrada é fundamental como linguagem de uma produção extensa, que atravessa sua trajetória de vida. A partir de 1923, com a estilização elegante do art déco, na redução da dramaticidade vista em suas obras anteriores, Brecheret passa a produzir formas simplificadas e de forte cunho ornamental. O artista busca o toque sensível das três fontes para fusão de seus trabalhos inspirados na França. Seu estilo revela a estética acentuada em vida de um artista que evolui no sagrado e no profano.

Momento que a arte sacra assinala em suas obras o período francês em monumentos públicos, funerários e decorativos de fachadas. A escultura Mise au Tombeau [O Sepultamento], de 1923 no Cemitério da Consolação, é uma das obras mais destacadas do período francês. Esta é organizada em formas lineares e possui uma suavidade melódica. O tema é tratado com muita simplificação formal, evocando um clima de grande serenidade. Outras obras presentes no Araçá e no Cemitério São Paulo.  

Monumento às Bandeiras

Monumento às Bandeiras. Símbolo de São Paulo
Em 1920 realiza a maquete para o Monumento às Bandeiras, no qual evoca a saga dos bandeirantes na conquista de novas terras. E em 1936, Brecheret inicia a execução do Monumento às Bandeiras, que é inaugurado em 1953 na Praça Armando Salles de Oliveira, em São Paulo.

Imigrantes de várias etnias são representados no Monumento às Bandeiras. A figura do negro, branco, índio, nordestinos e estrangeiros, todos unidos pelo trabalho e a força para construir a cidade, empurram o barco. Imigrantes usaram o símbolo do monumento em seus produtos como forma de gratidão pela prosperidade da generosa terra. Na obra identifica modelos europeus, mas são devorados e transformados pela antropofagia oswaldiana e brecheretiana.

O monumento nem sempre é presente no cotidiano do cidadão que transita com a rotina, tão presente para a maioria dos paulistanos autênticos, é quase invisível, mas pertence às etnias, ao mito do imigrante e do trabalhador, são várias misturas. O motivo do artista revela não apenas as utopias dos sonhos de quem constrói uma nação – das expedições bandeiristas – mas porque a idealização circunstancial acerca sobre a realização criadora de um gênio.

A perplexidade para sociedade é confrontar aqueles que desconhecem a importância da obra e de seu artista. O Monumento às Bandeiras sofre constantes depredações daqueles que não se assimilam a este símbolo, o bandeirante. A arquitetura urbana brasileira do monumento  pichado tantas vezes. Somos todos bandeirantes.

Monumento sofre pichação

A trajetória simbolizada na pedra, do bandeirante que cruza as matas, de uma epopéia histórica ganha outra história nos dias de hoje com as avenidas e no meio de trânsito ruidoso dos motorizados bandeirantes atuais. Um momento da vida brasileira marcado pelo crescimento econômico vertiginoso de uma São Paulo fabril e febril, que se afirmava como "a locomotiva do Brasil", para usar expressão da época.

O Monumento às Bandeiras ganhou diversas exposições. Foi destaque no Museu de Arte Moderna - MAM. A Mais Completa Tradução: integrou o calendário das comemorações de 450 anos de São Paulo. O emblema arquitetônico e histórico da cidade, localizado no Parque Ibirapuera, completou 50 anos, organizado pelo Instituto Victor Brecheret.

Brecheret mitificou em sua teimosia, a pedra gigante, como  enfrentou todo tipo de dificuldades para extrair do terreno movediço dos sonhos a lapidação desta obra. Dedicou a ela três décadas e meia de sua vida. Tinha 25 anos quando começou a criá-la, em 1920. Inaugurou-a três anos antes de morrer, em dezembro de 1955, aos 61 anos. Foi o primeiro e o último monumento do escultor. 

Ao pé do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, estão algumas das figuras que
elevam o nome de São Paulo no mapa cultural e científico do país.

Cultura indígena

O índio brasileiro passou a ser presença importante na escultura de Victor Brecheret, entre os anos 1940 e 1950, após o seu retorno ao Brasil, expostas em locais públicos, fachadas e baixos-relevos. O artista retrata as figuras e os costumes da cultura indígena brasileira em terracota, bronze e pedra com incisões: Drama Marajoara (1951) ou Drama Amazônico (1955). Também trabalha com pedras de formas circulares, nas quais interfere realizando suaves incisões, como nas obras Luta da Onça ou Índia e o Peixe (ambas de 1947/1948).

Nestas evoca o caráter sagrado ou mágico das pedras e retoma assim, de maneira muito pessoal, formas e arquétipos indígenas, ainda que se note aí a presença da escultura de Henry Moore e Hans Arp (1886-1966). Em trabalhos como Luta dos Índios Kalapalos (1951) produz formas nas quais dialoga com a abstração. Em Índio e Suassuapara (1951) o artista parte de dois volumes que se aglutinam e trabalha as superfícies vazias ou cheias, nas quais se inserem as incisões.

Seu acervo, com mais de 20 obras, está espalhado em locais públicos, principalmente na cidade de São Paulo: MAM, Largo do Arouche, Parque Trianon, Praça Princesa Isabel (o Duque de Caxias - foto), fachada do Jóquei Clube, no Teatro Municipal, Centro Cultural São Paulo, galeria Prestes Maia. Não há outro artista brasileiro ou estrangeiro com tamanha presença nos espaços públicos paulistanos. E poucos gozam de tal predileção em outras cidades do país.

Monumento à Duque de Caxias, Praça Princesa Isabel - São Paulo

Acervos

Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil
Banco Interamericano de Desenvolvimento - Washington D.C. (Estados Unidos)
Casa Guilherme de Almeida - São Paulo SP
Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC/USP - São Paulo SP
Coleção Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP - São Paulo SP
Fundação Armando Álvares Penteado - São Paulo SP
Fundação Cultural de Curitiba - PR
Fundação Maria Luiza e Oscar Americano - São Paulo SP
Museu da Casa Brasileira - São Paulo SP
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - SP
Museu Júlio Prestes - Itapetininga SP

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